PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO
por Eguimara Selma Branco
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO Apresentação
Neste trabalho me proponho a descrever algumas contribuições que Hans Freudenthal (1905-1990) trouxe ao meu projeto de pesquisa, bem como para a Educação Matemática, a partir da análise e discussão de seu livro Mathematics as an educational task (1973). Essa atividade constitui o trabalho final da disciplina “Concepção Fenomenológica da Didática da Matemática de Freudenthal”, ministrada pela professora Dra. Maria Thereza Carneiro Soares no Programa de Pós-Graduação em Educação – Linha de Educação Matemática, no primeiro semestre de 2008.
Uma Matemática para todos
Hans Freudenthal, matemático holandês, foi educado em Luckenwalde, cidade alemã, local de seu nascimento. Embora desenvolvesse interesse especial pela matemática e pela ciência também demonstrou interesse pela leitura, lendo extensamente clássicos de literatura e de poesia. Em 1923 entrou na Universidade de Berlim onde estudou matemática e física e em 1927 foi a Paris para complementar seus estudos. No início dos anos 30, depois de defender seu doutorado, mudou-se para Amsterdã onde foi assistente de Brouwer, um dos matemáticos mais importantes de sua época.
Na história destacou-se por defender que as idéias matemáticas estivessem ao alcance não só de futuros matemáticos, mas de todos aqueles que um dia poderiam dela se utilizar. Acreditava que as escolas precisavam de uma reorganização da instrução com vistas a uma aprendizagem matemática ativa e possível. Concebia a Matemática como uma atividade mental, ou seja, que a essência da matemática deveria ser encontrada nos processos do “fazer matemática”.
Propôs uma abordagem de matemática que possibilitasse aos estudantes reinventá-la, cabendo ao professor atuar como um expolorador, propiciando tarefas educativas, durante as quais iriam reinventando o caminho. A essa maneira de fazer matemática Freudenthal denominou Matemática Realistica. Aprender Matemática, nesta abordagem é identificado com o ‘fazer matemática’, o que está intimamente ligado à visão de Freudenthal em seu livro Mathematics as an educational task quando afirma que a matemática é uma atividade humana, que consiste em organizar, relacionar, generalizar, provar, formalizar o mundo à nossa volta. Ainda mais, propõe conduzir os alunos a uma viagem pelo mundo da matemática, a partir da descoberta e pela reinvenção.
Em seus estudos e ações Freundethal mostrou que os alunos desenvolvem gradativamente a compreensão matemática a partir de problemas reais da vida diária. Segundo ele, a exploração e resolução destes problemas lhes permitem atingir níveis cada vez mais complexos do pensamento matemático até chegar à abstração, numa etapa adequada do desenvolvimento cognitivo, social e cultural. Como conseqüência disso, temos alunos interessados pela matemática propriamente dita, adquirindo hábitos de pensar matematicamente frente à situações diversas, fossem estas pertencentes ao contexto escolar ou à vida cotidiana.
Para Freudenthal, a matemática é em primeira instância uma atividade e constitui um corpo organizado de conhecimentos. No entanto a essência da matemática não são as estruturas matemáticas, mas sim o processo que se constrói para se chegar a essas estruturas. Segundo ele, os alunos deveriam aprender matemática, “matematizando” assuntos da realidade do dia-a-dia. Matematizar é mais do que uma atividade de pensar, é aqui entendido como um ato de refletir, de compreender a realidade e modificá-la. É partir da realidade mais complexa para descobrir e reinventar o conteúdo matemático, bem como a sua organização. A matematização tem um importante papel no processo educacional, pois, propõe formular, discutir e desenvolver maneiras de entender os conteúdos matemáticos, atitudes constantes para alunos e professores envolvidos neste processo.
Em Mathematics as an educational task, Freudenthal também dedica especial atenção para a riqueza das descobertas geométricas, dizendo que na geometria, há um campo imenso para a exploração e investigação, que podem ser desenvolvidas na sala de aula. A geometria aparece como um campo privilegiado para a matematização da realidade e realização de descobertas. A partir da geometria a criança pode compreender, conhecer, explorar e conquistar o espaço, de modo a encontrar-se, mover-se e localizar-se melhor. Recorrendo à manipulação de materiais e à visualização, matematiza a geometria tornando-a propícia a um ensino baseado na realização de descobertas e na resolução de problemas.
Segundo Freudenthal,
A Geometria é uma das melhores oportunidades que existem para aprender a matematizar a realidade. É uma oportunidade de fazer descobertas como muitos exemplos mostrarão. Com certeza, os números são também um domínio aberto às investigações, e pode-se aprender a pensar através da realização de cálculos, mas as descobertas feitas pelos próprios olhos e mãos são mais surpreendentes e convincentes. Até que possa de algum modo ser dispensadas, as formas no espaço são um guia insubstituível para a pesquisa e a descoberta. (1973, p.407)
As inquietações e irreverências de Freudenthal influenciaram muitos pesquisadores, tanto que em 1971, ele fundou o Instituto para Desenvolvimento de Educação Matemática - IOWO, sendo seu primeiro diretor. O IOWO que tinha como lema a “observação”, tornou-se mundialmente conhecido e teve papel decisivo no ensino da matemática nas escolas holandesas. Em 1991, após sua morte, o Instituto passou a chamar-se Freudenthal Institute (FI).
Integrando Tecnologias
No início deste trabalho, apresento Freudenthal como um pesquisador inquieto com a organização escolar da sua época, e aqui, compactuo com ele em relação aos processos de ensino que ainda ocorrem na maioria das aulas de matemática. Fato que muitos professores encontram-se insatisfeitos com suas práticas, e apesar de participarem de cursos de formação continuada, não conseguem realizar mudanças significativas em sala de aula, pois, continuam a viver sua profissão de forma solitária, e buscam individualmente resolver os problemas oriundos do calor da prática pedagógica, fato esse que pude comprovar nos trabalhos desenvolvidos na SEED. Dentro desse contexto, também a matemática apresentada aos alunos continua mecânica, reproduzida do que está nos livros e desvinculada da realidade.
Fora da escola, na sociedade contemporânea, as Tecnologias de Informação e Comunicação - TICs, trazem novas maneiras de se viver e de se organizar. Um exemplo disso é a maneira com que crianças e jovens utilizam celulares e a internet como meios de comunicação. Da mesma forma que conversam com seus amigos, acessam sítios, buscam informações, jogam e interagem com naturalidade.
Kenski (2003) propõe que também a prática docente se oriente nesse sentido. A apreensão do conhecimento na perspectiva do uso das tecnologias digitais, em especial o computador e a internet, precisa ser assumida como possibilidade didática para as aulas. Mas esse ensinar não deve limitar-se a um contexto de reprodução de aulas convencionais, muito menos de ensinar a lidar com a máquina, mas num contexto de construção do conhecimento por meio do uso da tecnologia.
É nesse sentido que em meu projeto de pesquisa no Mestrado, proponho a análise do movimento de (re)construção de conceitos matemáticos por professores de matemática, ao participarem de um grupo de trabalho colaborativo, a partir do uso das TICs, especificamente softwares para trabalho com conceitos matemáticos.
Acredito que a proposta do grupo de trabalho colaborativo pode servir como espaço de aprendizagem, em que professores de matemática tenham oportunidade de (re)organizar e (re)construir conceitos matemáticos com o uso de TICs, assim como discutir e socializar práticas docentes de aulas de Matemática.
Por meio do acesso as TICs, recorrendo aos softwares e/ou applets em java é possível, conforme defende Freudenthal (1973), manipular e matematizar, propiciando um ensino baseado na realização de descobertas e na resolução de problemas. Ao propiciar a exploração visual, os softwares matemáticos possibilitam trabalhar a matemática de maneira expressiva, ajudam no enriquecimento do campo perceptivo e das operações mentais envolvidas nos processos de construção do conhecimento.
Nessa perspectiva, a contribuição do professor é essencial, pois esses precisam estar flexíveis e dispostos para novas possibilidades de aprendizagem. Borba (2003) citando Tikhomirov, diz que os computadores não substituem ou complementam os seres humanos. Diz ainda, que os computadores ajudam a reorganizar o pensamento, “visão de pensamento aqui adotada inclui a formulação e resolução de problemas e o julgamento de valor de como se usa um dado conhecimento”.
Esse mesmo autor evidencia questões sobre experimentação com tecnologias, visualização e demonstração. Indica também alguns processos inerentes ao fazer matemática com informática, como a possibilidade de testar conjecturas usando um número grande de exemplos, de executar modos alternativos de testes, evidenciando a possibilidade de repetir os experimentos, os diferentes tipos de representações, etc.
Assim, inserir novas tecnologias como meio didático aos professores de Matemática, buscando romper com o tradicionalismo da Matemática estática representa um grande desafio.
Conclusão
Freudenthal defendia uma Matemática para a vida, que tivesse pontos de contato com a Matemática vivida pela criança. Penso que isso seja possível a partir da utilização de softwares interativos, pois esses permitem criar e manipular figuras geométricas, gráficos e tabelas permitem também construir conceitos de operações, algébricos e afins. Considero que as TICs representam importantes aliados aos professores de Matemática, por possibilitarem a interação com os objetos de conhecimento representados por meio da manipulação e da modelização.
Nessa mesma perspectiva, também pesquisadores atuais do Freudenthal Institute, apresentam várias publicações e projetos desenvolvidos na área de Tecnologias e Educação Matemática, como o Rekenweb, desenvolvido por pesquisadores de Portugal para apoiar professores primários na sua tarefa de ensinar Matemática Realista. No referido Instituto encontra-se uma extensa lista de softwares a disposição dos usuários, evidenciando o crescimento e a motivação de estudiosos da área na produção de estudos e pesquisas a linha de Tecnologias Informática e Educação Matemática.
Como tais pesquisadores, proponho em minha investigação buscar estratégias, discutir e apresentar indagações que contribuam para melhorar a prática pedagógica do educador matemático a partir da proposição de (re)construção de conceitos matemáticos a partir do uso de softwares específicos, bem como ampliar o debate sobre o uso das TICs no contexto educacional.
Acredito que educadores não devem se acomodar. É preciso estar em constante atualização, acontecendo, fazendo mudança, pois, “ao ser consciente, nos tornamos seres de práxis, de ação e reflexão, pois constatando, refletimos para mudar, não para nos adaptarmos. A mudança implica rupturas, lentas ou bruscas do que parece acabado e pronto”.(SCHERER, 2005).
Referências
BORBA, M. C. & PENTEADO, M. G. Informática e Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
FREUDENTHAL, H. Mathematics as an Educational Task. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1973.
KENSKI, V. Tecnologias e Ensino Presencial e a Distância. Campinas, Papirus, 2003.
ROMERO, S.A. Contribuições dos jogos eletrônicos na construção da linguagem algébrica. Dissertação Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática da Universidade Estadual de Maringá – UEM. Maringá: UEM, 2007. 201 p.
SCHERER, S. Uma estética possível para a educação bimodal: aprendizagem e comunicação em ambientes presenciais e virtuais. Tese Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC, 2005. 240 p.