"Angustia-me a negligência com umaquestão tão grave, que para algunsnunca chega a ser um drama, masque é tão fatal quanto balas perdidasou tiros intencionais: o alcoolismo".
O dispendioso referendo a que acabamos de ser submetidos teve ao menos um resultado positivo: o povo entendeu que deve mostrar seu descontentamento usando o voto, a melhor das armas.
O voto manifestou o repúdio dos brasileiros a políticas públicas aqui praticadas, não apenas na área da segurança mas na de saúde e defesa sanitária, na de educação e na de moradia. Dinheiro existe, orçamentos também, mas as aplicações estão sempre muito aquém das necessidades.
Ainda no campo da saúde pública, um tema me parece urgente: o efeito da propaganda de bebidas alcoólicas, sobretudo na televisão. Se para a maioria das pessoas a bebida não causa problema e pode ser moderadamente tomada, em muitas provoca a terrível doença do alcoolismo, promovendo grande sofrimento pessoal e familiar, assassinatos por acidentes de trânsito ou armas de fogo.
Em nome desses para quem beber é uma perdição, deveríamos suspender tais propagandas, duas das quais me irritam particularmente pela mensagem turva e pelo mau gosto: um marido, entediadíssimo enquanto a mulher compra comida para os filhos, ao escutar algo que lhe lembra "bebida", anima-se, enche o carrinho, e ouve-se o comentário (cínico, no caso): "Beba com moderação".
Na outra, engraçada para um olhar desavisado, depois de beber as pessoas começam a se cumprimentar passando a mão no traseiro umas das outras. Quando sóbrias, cumprimentavam-se apenas com um simples abraço rápido. Recado para os desprevenidos: "Bêbados, ficamos mais ousados, mais interessantes, a vida é mais gostosa..." A propaganda é além de tudo enganosa, pois, ao contrário do que ela pretende mostrar, bebendo em excesso ficamos chatos, inoportunos, desagradáveis e violentos... quando não criminosos.
O mal advindo da falta de maior controle sobre a venda, o consumo e a propaganda de álcool é imenso. Como parece imensa a necessidade de nos anestesiarmos com substâncias que vão da falsamente inocente maconha a drogas ainda mais destruidoras – passando pela bebida, ainda não oficialmente considerada "droga", embora o seja.
Quem não gostaria de escapar, eventualmente, da concretude da vida, que é tão rica e instigante, mas pode ser tediosa ou ameaçadora, violenta e corrupta? Isso nos torna frágeis diante da lei, descumprida, sobre a venda de álcool a menores, da facilidade com que ele é adquirido e da propaganda que faz parecer divertida tão perigosa servidão, para quem corre o risco de se tornar seu escravo, e precisaria ser respeitado.
Anos atrás, visitei várias vezes uma importante clínica de recuperação de drogados (incluindo alcoólatras) em outro estado, acompanhando amigos cujo filho ali recebia tratamento. A maior parte dos internos era de freqüentadores habituais: tinham alta e retornavam, alguns já com seqüelas, destruídos os neurônios, a beleza, a juventude e o futuro.
O álcool e outras drogas não produzem apenas casos trágicos e clínicas de recuperação: invadem nosso cotidiano. Outro dia, caminhando cedo pela manhã em seu bairro, uma conhecida minha encontrou jovens saindo da loja de conveniência (aberta 24 horas) em um posto de gasolina, com várias garrafas de bebida. Entravam em seus carros, arrancavam, voltavam, saíam outra vez, insultavam-se, riam, jogavam garrafas uns nos outros ou nos carros que passavam. De repente, um deles soltou um foguete praticamente dentro do posto de gasolina.
Tudo acabou em alguns minutos, sem nenhum acidente mais sério. Digamos que foi uma brincadeira de gente imatura. Porém, a tragédia espreitava, como tantas vezes em que brincamos com o perigo real.
Não sou moralista. Não ignoro as dores da vida que nos levam a buscar esquecimento e alienação. Angustia-me a negligência com uma questão tão grave, que para alguns nunca chega a ser um drama, porém para outros funciona como uma arma contra si e contra todos – tão fatal quanto balas perdidas ou tiros intencionais.
O dispendioso referendo a que acabamos de ser submetidos teve ao menos um resultado positivo: o povo entendeu que deve mostrar seu descontentamento usando o voto, a melhor das armas.
O voto manifestou o repúdio dos brasileiros a políticas públicas aqui praticadas, não apenas na área da segurança mas na de saúde e defesa sanitária, na de educação e na de moradia. Dinheiro existe, orçamentos também, mas as aplicações estão sempre muito aquém das necessidades.
Ainda no campo da saúde pública, um tema me parece urgente: o efeito da propaganda de bebidas alcoólicas, sobretudo na televisão. Se para a maioria das pessoas a bebida não causa problema e pode ser moderadamente tomada, em muitas provoca a terrível doença do alcoolismo, promovendo grande sofrimento pessoal e familiar, assassinatos por acidentes de trânsito ou armas de fogo.
Em nome desses para quem beber é uma perdição, deveríamos suspender tais propagandas, duas das quais me irritam particularmente pela mensagem turva e pelo mau gosto: um marido, entediadíssimo enquanto a mulher compra comida para os filhos, ao escutar algo que lhe lembra "bebida", anima-se, enche o carrinho, e ouve-se o comentário (cínico, no caso): "Beba com moderação".
Na outra, engraçada para um olhar desavisado, depois de beber as pessoas começam a se cumprimentar passando a mão no traseiro umas das outras. Quando sóbrias, cumprimentavam-se apenas com um simples abraço rápido. Recado para os desprevenidos: "Bêbados, ficamos mais ousados, mais interessantes, a vida é mais gostosa..." A propaganda é além de tudo enganosa, pois, ao contrário do que ela pretende mostrar, bebendo em excesso ficamos chatos, inoportunos, desagradáveis e violentos... quando não criminosos.
O mal advindo da falta de maior controle sobre a venda, o consumo e a propaganda de álcool é imenso. Como parece imensa a necessidade de nos anestesiarmos com substâncias que vão da falsamente inocente maconha a drogas ainda mais destruidoras – passando pela bebida, ainda não oficialmente considerada "droga", embora o seja.
Quem não gostaria de escapar, eventualmente, da concretude da vida, que é tão rica e instigante, mas pode ser tediosa ou ameaçadora, violenta e corrupta? Isso nos torna frágeis diante da lei, descumprida, sobre a venda de álcool a menores, da facilidade com que ele é adquirido e da propaganda que faz parecer divertida tão perigosa servidão, para quem corre o risco de se tornar seu escravo, e precisaria ser respeitado.
Anos atrás, visitei várias vezes uma importante clínica de recuperação de drogados (incluindo alcoólatras) em outro estado, acompanhando amigos cujo filho ali recebia tratamento. A maior parte dos internos era de freqüentadores habituais: tinham alta e retornavam, alguns já com seqüelas, destruídos os neurônios, a beleza, a juventude e o futuro.
O álcool e outras drogas não produzem apenas casos trágicos e clínicas de recuperação: invadem nosso cotidiano. Outro dia, caminhando cedo pela manhã em seu bairro, uma conhecida minha encontrou jovens saindo da loja de conveniência (aberta 24 horas) em um posto de gasolina, com várias garrafas de bebida. Entravam em seus carros, arrancavam, voltavam, saíam outra vez, insultavam-se, riam, jogavam garrafas uns nos outros ou nos carros que passavam. De repente, um deles soltou um foguete praticamente dentro do posto de gasolina.
Tudo acabou em alguns minutos, sem nenhum acidente mais sério. Digamos que foi uma brincadeira de gente imatura. Porém, a tragédia espreitava, como tantas vezes em que brincamos com o perigo real.
Não sou moralista. Não ignoro as dores da vida que nos levam a buscar esquecimento e alienação. Angustia-me a negligência com uma questão tão grave, que para alguns nunca chega a ser um drama, porém para outros funciona como uma arma contra si e contra todos – tão fatal quanto balas perdidas ou tiros intencionais.
Por Lya Luft
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