O mundo do menino impossível
Fim da tarde, boquinha da noite
com as primeiras estrelas
e os derradeiros sinos.
Entre as estrelas
e lá detrás da igreja
surge a lua cheia
para chorar com os poetas.
E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:
o sol e os meninos.
Mas ainda vela o menino impossível
aí do lado
enquanto todas as crianças mansas dormem
acalentadas
por Mãe-negra Noite.
O menino impossível
que destruiu
os brinquedos perfeitos
que os vovós lhe deram:
o urso de Nürnberg,
o velho barbado jagoeslavo,
as poupées de Paris aux cheveux crêpes,
o carrinho português
feito de folha-de-flandres,
a caixa de música checoeslovaca,
o polichinelo italiano
made in England,
o trem de ferro de U. S. A.
e o macaco brasileiro de Buenos Aires
moviendo da cola y la cabeza.
O menino impossível
que destruiu até os soldados de chumbo de Moscou
e furou os olhos de um Papai Noel,
brinca com sabugos de milho,
caixas vazias,tacos de pau,
pedrinhas brancas do rio...
"Faz de conta que os sabugos
são bois..."
"Faz de conta..."
"Faz de conta..."
E os sabugos de milho
mugem como bois de verdade...
e os tacos que deveriam ser
soldadinhos de chumbo são
cangaceiros de chapéus de couro...
E as pedrinhas balem!
Coitadinhas das ovelhas mansas
longe das mães
presas nos currais de papelão!
É boquinha da noite
no mundo que o menino impossível
povoou sozinho!
A mamãe cochila.
O papai cabeceia.
O relógio badala.
E vem descendo
uma noite encantada
da lâmpada que expira
lentamente
na parede da sala...
O menino pousa a testa
e sonha dentro da noite quieta
da lâmpada apagada
com o mundo maravilhoso
que ele tirou do nada...
Chô! Chô! Pavão!
Sai de cima do telhado
Deixa o menino dormir
Seu soninho sossegado!
Fonte: Lima, J. 1997. Poemas , 5a edição. RJ, Agir. Poema originalmente publicado em 1925.